Geografias do Sabor: Viagem pelas Terras do Matcha
O trem partiu de Tóquio exatamente às 7:13 da manhã. Era um daqueles dias de primavera onde a chuva cai tão finamente que parece névoa suspensa no ar, nem molhando nem secando completamente. Estava a caminho de Uji, a mais famosa e antiga região produtora de matcha do Japão, carregando apenas uma pequena mochila e um livro de poesia que nunca conseguiria terminar de ler.
Havia algo estranho naquela viagem. Não porque fosse incomum – eu havia feito esse mesmo trajeto dezenas de vezes para meu trabalho na revista de gastronomia –, mas porque sonhara na noite anterior com um gato falante que me dizia: "As folhas guardam memórias que ninguém mais tem."
Lembrei-me desse sonho quando o trem passou por Nara e uma senhora de aproximadamente setenta anos sentou-se à minha frente. Tirou da bolsa uma pequena lata dourada, dessas que guardam chá caro, e ofereceu-me um doce.
"O senhor está indo para Uji, não está?" perguntou ela, como se pudesse ler meus pensamentos.
Assenti com a cabeça.
"Uji tem a tradição, tem a história," continuou ela enquanto o trem cortava campos verdes que pareciam infinitos. "Mas conhece Kirishima?"
Kirishima, região vulcânica no sul do Japão, em Kagoshima. O solo escuro, carregado de minerais das entranhas da terra. O ar úmido das montanhas nebulosas que dão nome ao lugar: Kiri (névoa) e Shima (ilha). Um lugar onde o chá cresce à sombra de uma história mais recente, mais tímida, mas igualmente profunda.
A senhora – que depois descobri chamar-se Akiko e ter sido filha de um dos pioneiros do cultivo de chá em Kirishima nos anos 1970 – contou-me como seu pai havia se mudado de Shizuoka, abandonando terras cultivadas por gerações de sua família, para apostar em um terreno mais elevado, mais frio, mais arriscado.
"Em Kirishima, o inverno castiga. O verão é mais breve. As plantas crescem mais lentamente," explicou ela com um brilho nostálgico nos olhos. "Mas é justamente essa luta contra o ambiente que dá ao matcha daquela região um sabor mais intenso, com notas que lembram as florestas de pinheiros após a chuva."
Enquanto ela falava, lembrei-me do professor de filosofia que conheci em Kyoto há muitos anos, que dizia que o espaço molda o tempo, e o tempo molda o sabor.
O trem parou em Uji ao meio-dia. Akiko seguiria para Shizuoka, sua cidade natal. Antes de nos despedirmos, ela entregou-me a pequena lata dourada.
"Matcha de Kirishima," disse. "Para que o senhor possa comparar."
Passei três dias em Uji, visitando campos ancestrais onde árvores de chá cresciam nas mesmas terras desde o período Kamakura. Conversei com mestres de chá que podiam identificar o ano e a parcela exata onde cada lote havia sido colhido apenas pelo aroma. Bebi matcha que custava tanto quanto um bom relógio, preparado por mãos que pareciam dançar durante o ritual.
Uji, com suas águas que correm do Lago Biwa e seu microclima perfeito, produzia o que muitos consideravam o melhor matcha do mundo. A combinação de solo, altitude moderada (cerca de 200 metros), e o cuidado meticuloso das plantas produzia um matcha doce, com notas florais e um umami que permanecia na língua como uma boa memória.
Mas à noite, sozinho no ryokan onde me hospedava, preparei o matcha que Akiko havia me dado. O verde era mais intenso, quase elétrico. O sabor, surpreendentemente complexo – começava com notas minerais marcantes, evoluía para um doce herbal, e terminava com um toque cítrico sutil que não consegui identificar.
Em meu último dia no Japão, estendi a viagem e tomei um trem para Kagoshima. De lá, um ônibus local que subia as encostas do Monte Kirishima, onde os campos de chá se erguiam a mais de 400 metros de altitude.
Um agricultor chamado Tanaka, amigo do falecido pai de Akiko, mostrou-me como as partículas vulcânicas no solo criavam uma drenagem perfeita para as raízes do chá. Como as névoas frequentes mantinham a umidade ideal nas folhas jovens. Como o frio intenso forçava as plantas a produzirem mais aminoácidos como defesa natural, resultando em um matcha com mais L-teanina, o componente responsável tanto pelo umami quanto pelo efeito calmante do chá.
"Há lugares onde a terra fala através das plantas," disse Tanaka enquanto observávamos o pôr do sol tingir de vermelho os campos verdes. "Em Uji, ela sussurra histórias antigas. Em Shizuoka, canta a força da tradição renovada. Aqui em Kirishima, grita."
Naquela noite, em um pequeno hotel aos pés da montanha, sonhei novamente com o gato falante. Estávamos sentados em um campo de chá, provavelmente em Shizuoka – a maior região produtora do Japão, responsável por mais da metade de todo o chá do país.
"Cada xícara de matcha é um mapa," disse o gato, lambendo a pata com indiferença estudada. "Um mapa que mostra não apenas de onde veio, mas para onde pode te levar."
Acordei com essa frase ecoando em minha mente. Preparei uma última xícara de matcha de Kirishima antes de iniciar minha jornada de volta a Tóquio.
Enquanto bebia, pensei nas outras regiões que não havia visitado. Fukuoka, no norte de Kyushu, com seu solo argiloso que produzia um matcha mais suave. Nishio, em Aichi, com técnicas de sombreamento particulares que resultavam em um chá rico em clorofila. Yame, com seus vales profundos e noites frias.
Cada região, uma personalidade. Cada campo, uma biografia escrita em folhas verdes. Cada xícara, um portal para um lugar e um momento específicos.
Talvez o gato estivesse certo. Talvez as folhas realmente guardassem memórias que ninguém mais tem. E talvez, ao beber matcha, estivéssemos por um breve momento acessando não apenas o sabor de uma planta, mas a história de um pedaço específico de terra, o registro das chuvas de um determinado ano, a direção do vento em uma certa encosta, a dedicação de mãos humanas que, geração após geração, cultivaram não apenas chá, mas uma maneira inteira de entender o mundo.
Ou talvez fosse apenas uma bebida verde com um gosto agradável. Nunca se sabe ao certo onde termina a realidade e onde começa nossa imaginação.