A Folha Verde que Mudou o Japão

Quando Sugiyama Hikosaburo olhou pela janela naquela manhã de 1908, a neblina cobria os campos de chá como um manto de sonhos não realizados. Seus dedos, calejados por décadas colhendo folhas, tremiam levemente enquanto segurava o pequeno caderno onde anotava observações sobre suas plantas. Havia algo diferente naquela planta específica, a árvore número 86, que crescia discretamente no canto norte de sua propriedade em Shizuoka.

A chuva caía em gotas pesadas que ricocheteavam nas folhas verdes, criando uma música peculiar que só ele parecia ouvir. Talvez fosse por isso que ninguém mais tinha notado o que ele via agora com clareza: aquela planta produzia folhas mais robustas, com um verde mais intenso, e sobrevivia aos invernos mais rigorosos quando outras sucumbiam ao frio.

"Yabukita," murmurou para si mesmo enquanto registrava o nome no caderno. "Ao norte do bambuzal." Um nome simples para identificar a localização, sem imaginar que aquelas sílabas se tornariam lendárias.

Naquela noite, quando o relógio antigo na parede marcava 2:17 da madrugada e o silêncio era quase palpável, Sugiyama acordou com uma sensação estranha. Sonhara com um Japão onde sua planta número 86 cobria montanhas inteiras. Riu de si mesmo por tal pensamento absurdo e voltou a dormir.

Anos se passaram. A planta foi estudada, clonada, catalogada. Em 1953, quando Sugiyama já havia partido deste mundo, Yabukita recebeu o registro oficial como cultivar. E então, como um sussurro que se transforma em tempestade, começou a se espalhar.

Em um pequeno apartamento em Tóquio, o jovem Tanaka Hiroshi preparava uma xícara de matcha Yabukita enquanto ouvia jazz americano. Tinha sido um dia cansativo na empresa de tecnologia onde trabalhava. Enquanto o pó verde se dissolvia na água quente, formando pequenos universos de sabor, ele pensou: "Estranho como as coisas mais importantes podem começar tão discretamente."

Não sabia ele que naquele exato momento, do outro lado da cidade, em um laboratório asséptico, cientistas descobriam componentes únicos nas folhas Yabukita que explicavam seu sabor inconfundível – umami intenso com notas suaves de doçura e amargor equilibrado.

Não sabia ele que em algum momento, Yabukita cobriria 75% de todos os campos de chá do Japão, transformando-se na espinha dorsal de uma indústria milenar, na identidade de uma nação em xícaras.

Uma única planta, número 86, ao norte de um bambuzal.

As coincidências são como portas que se abrem para dimensões paralelas. Quando Sugiyama notou aquela planta especial, poderia ter simplesmente ignorado. Se tivesse saído cinco minutos mais tarde naquela manhã, talvez a neblina já tivesse se dissipado e as qualidades únicas daquela planta permanecessem invisíveis.

Às vezes, quando bebo meu matcha Yabukita, imagino todos os universos paralelos onde aquela planta nunca foi descoberta. Mundos quase idênticos ao nosso, exceto por esse detalhe fundamental – a ausência daquela folha verde específica que, de alguma forma inexplicável, conecta milhões de pessoas em um ritual compartilhado.

Como disse o velho mestre de chá Takayama: "Na xícara de chá perfeita, o passado e o futuro se encontram em um momento de silêncio verde."

E assim, a história da Yabukita continua se desenrolando, como um romance sem fim onde cada capítulo é uma colheita, cada parágrafo uma infusão, cada palavra um gole.

E nós, leitores passivos dessa narrativa verde, seguimos bebendo histórias que começaram muito antes de nascermos.

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O Segredo Verde de Okumidori